Entidades e pesquisadores avaliam projeto de lei que dispõe
sobre a regulamentação da profissão de historiador (PL4699/2012) no Brasil.
Para vários profissionais do campo, o projeto pode trazer muitos prejuízos,
sobretudo na forma como encontra-se redigido.O Projeto de Lei 4699/2012 (denominação atual), do Senador
Paulo Paim (PT), que propõe regular o exercício da profissão de historiador no
Brasil, entrou em tramitação de urgência em Brasília em junho recente, o que
fez com que o debate a seu respeito ganhasse novo fôlego nos últimos dois
meses. E o debate voltou ao espaço público cercado de muitas críticas. A
primeira dessas críticas se tornou conhecida no dia dois de julho de 2013,
quando a a Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC), por meio do Jornal
da Ciência, publicou uma carta aberta manifestando preocupação diante da
provável aprovação do PL. Nesta carta, a SBHC reconhece a importância da luta
pela regulamentação da profissão, inclusive os esforços da Associação Nacional
de História (ANPUH) em apoiá-la, mas deixa clara a sua preocupação com
possíveis prejuízos que tal projeto de lei pode ocasionar a um amplo grupo de
profissionais de outras áreas que atuam há anos no campo da pesquisa historia,
mas que não possuem diploma na área, como é o caso dos historiadores da
ciência. Para a SBHC, o problema pode ser resumido em duas de suas
características: “Por um lado, o texto é categoricamente restritivo:
historiador é o portador de diploma de graduação, mestrado ou doutorado em
história, e nada mais. Por outro, é vago: aos historiadores definidos nesses
termos são reservadas a prática de atividades tão mal definidas quanto a
prestação de "serviços em história", a organização de exposições
sobre "temas históricos", e mesmo o "o magistério da disciplina
de História" na educação básica e superior (sem especificar, no primeiro
caso, a necessidade de formação em curso de licenciatura, mas, sobretudo, esquecendo,
no segundo caso, que não existe "a" disciplina de história no nível
superior, mas inúmeras disciplinas especializadas, como a própria história da
ciência.”, informa a carta.
Ainda segundo a SBPC, o projeto de lei que segue em
tramitação na capital poderá gerar, se aprovado, diversos casos de “insegurança
jurídica”. “Quando uma exposição, por exemplo, será considera histórica, nos
temos da lei? Um historiador da ciência que não possua o diploma específico,
ainda que ostente todas as qualificações necessárias, não poderá ensinar esse
tema nas universidades, ou organizar um acervo ou exposição de livros,
instrumentos ou documentos antigos?“, pergunta-se a entidade, para concluir que
o PL, na forma como encontra-se redigido, não contribui para fortalecer o
exercício da profissão. Por esses e outros motivos, a SBPC chegou a pedir em
carta aos deputados federais a suspensão do mesmo.
Duas semanas depois, a Associação Nacional de História, por
meio de seu presidente, o professor Benito Bisso Schmidt, publicou uma outra
carta aberta, endereçada a professora Helena Nader, presidente da SBPC, pedindo
que a mesma fosse publicada pelo Jornal da Ciência como “direito de resposta, e
como forma de reparar uma parte dos danos cometidos aos historiadores brasileiros”.
No texto, Schmidt afirma, entre outras coisas, que o PL não é restritivo em sua
caracterização profissional e que não veda ninguém a escrever ou ensinar
história, apenas no âmbito formal de ensino e pesquisa científica.
No final de julho, houve uma tentativa para se eliminar os
ruídos na comunicação entre a ANPUH e as demais instituições que que compõem o
universo da pesquisa histórica. A Sociedade Brasileira de História da Educação
(SBHE), também preocupada com as possíveis limitações que podem surgir com a
aprovação do PL solicitou à diretoria da Associação Nacional de História uma
reunião para discutir o tema. O encontro ocorreu no dia 26 de julho, no prédio
da UFRN, durante a realização do Encontro Nacional de História, com a presença
de representantes da SBHE, da SBHC, do CBHA (Comitê Brasileiro de História da
Arte), além de outros associados da entidade. O principal propósito do encontro
era apresentar dúvidas e divergências a respeito do Projeto de Lei, além de
algumas demandas específicas. De acordo com nota publicada pela ANPUH, a
entidade esteve aberta ao diálogo, escutando as entidades no sentido de
encontras fórmulas que contemplem um projeto e lei mais aprimorado, mas
deixando claro que continuaria apoiando-o.
O barulho fez-se escutar em Brasília. Parlamentares
envolvidos na discussão convocaram as várias entidades envolvidas para uma
reunião de emergência no Congresso Nacional, preocupados com as críticas
envolvendo o PL. Na tarde do dia 21 de agosto, os deputados Chico Alencar,
Geraldo Policarpo e Pedro Uczai, e mais o senador Paulo Paim, autor do projeto
de lei reuniram-se com representantes da ANPUH, da SBHC, CBHA e do SBPC
(Sociedade Brasileira de História da Ciência, Comitê Brasileiro de História da
Arte e Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência). De acordo com nota
emitida pela ANPUH, a reunião foi positiva, ficando definido que as entidades
fariam uma emenda ao PL, de forma a aprimorá-lo, emenda esta que não trouxesse
prejuízos ao campo. Somente assim, revelaram os parlamentares, o PL seria
levado a plenário e finalmente aprovado.
Divergência entre historiadores
Além das entidades, historiadores, individualmente, também
se manifestaram de formas distintas a respeito do PL nos últimos dois meses.
Francisco Marshall, historiador e professor do departamento de História do
IFCH/UFRGS, publicou uma artigo no jornal Zero Hora, no dia três de agosto,
dizendo que o PL que tramita em Brasilia é pautado por uma “pretensão de
monopólio corporativo”.
- “Além da finalidade medíocre e insustentável de garantir
reserva de mercado, vai-se produzir outra casta cartorial, controlando um
ofício livre e inofensivo, dando ilusão de poder a tecnocratas improdutivos,
burocratizando o ofício, perturbando e ofendendo profissionais dignos, inibindo
a evolução acadêmica, sem qualquer ganho social. A sociedade, caso conceda esta
reserva de mercado, abrirá mão de parte importante da liberdade e fomentará
litígios desnecessários nas ciências patrimoniais, hoje, aliás, muito mais
complexas do que o imaginam os arautos do oficialismo historiográfico”, afirmou
Marshall.
Roberto de Andrade Martins, ex-presidente da Sociedade
Brasileira de História da Ciência, chegou a criar um blog chamado
“Profissionalização do Historiador”, cujo objetivo é discutir o PL. Em um post
de 30 de agosto, Martins reuniu a manifestação de importantes pesquisadores
sobre o projeto, mostrando que vários pesquisadores não concordam com o PL.
Denise Bottmann (UNICAMP) diz : “sob qualquer aspecto que se olhe, não vejo
qualquer justificativa para a regulamentação da profissão”. Opinião parecida
com José Murilo de Carvalho (UFRJ), para quem o projeto é “um primor de
corporativismo e obscurantismo”, e também para Renato Janine Ribeiro (USP), que
chamou o PL de “um absurdo”, entre outros.
Estas críticas estão alinhadas, de alguma forma, com o que disseram alguns
relatores do projeto, como é o caso do Deputado Geraldo Policarpo:
- “O texto do Projeto não oferece um conceito de
Historiador, mas restringe o exercício da atividade aos graduados em curso
superior e aos portadores de diploma de mestrado ou doutorado em História e
atribui-lhes, privativamente, o magistério da disciplina de História nos
estabelecimentos de ensino fundamental, médio e superior; a organização de
informações para publicações, exposições e eventos sobre temas de História; o
planejamento, a organização, a implantação e a direção de serviços de pesquisa
histórica; o assessoramento, a organização, a implantação e a direção de
serviços de documentação e informação histórica e o assessoramento voltado à
avaliação e à seleção de documentos, para fins de preservação, bem como a
elaboração de pareceres, relatórios, planos, projetos, laudos e trabalhos sobre
temas históricos”, afirma” Policarpo.
E você, como se posiciona neste cenário? Concorda com as
críticas? Ou acha que a regulamentação deve seguir seu curso? Não deixe de
participar deste debate. Sua opinião é muito importante. Comente este post.
Para saber mais a respeito, confira:
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